Homenagem a Felipe Fontes

Felipe Fontes é sem sombra de dúvida um dos nomes maiores da cultura e do fait-divers de Portugal, um vulto a ombrear com nomes como Badaró, Vítor Espadinha e a astróloga Maia.
Felipe Fontes nunca escreveu um livro, nem plantou uma árvore, nem fez um filho. Nunca disse nada interessante ou fez algo de nomeada. Quem o conheceu bem não se lembra dele e os que se lembram não sabem quem ele é.

Foi numa aldeia do Alto Minho, que fica por cima do Baixo Minho, que nasceu Felipe, nesse longínquo ano. Desde cedo que seus pais se aperceberam que Felipinho tinha um enorme talento para não fazer nada e passar completamente despercebido no meio de uma multidão de duas pessoas, uma das quais não apareceu por motivos de doença e a outra já nem me lembro do que estava a dizer.

Aos 7 anos entra precocemente para a escola mas desiste assim que aprende a escrever o seu nome. Com todo o talento do mundo, aquilo era quanto bastava para sangrar na vida. Digo sangrar, porque Fontes sempre teve problemas a pegar no lápis e acabava invariavelmente por espetar o bico nos sítios mais incríveis. Diz a lenda que certo dia, sentado na sua carteira na sala de aula, trespassou a jugular com um lápis nº 3, afiadíssimo como ele os gostava de apresentar todos os dias no início da classe. Diz que se esvaiu em sangue mas eu não acredito, somente porque não morreu. Digo eu...

Os registos a que tivemos acesso para documentar esta homenagem são omissos nos anos seguintes, indo encontrá-lo tão-só mais tarde, já crescidote, contando 72 anos. Muito alegre e brincalhão, era as delícias da tertúlia que todas as tardes se reunia em seu redor num café ali ao Conde Redondo cujo nome se me escapa agora. Ficaram célebres as anedotas que contava como só ele sabia e de que ninguém se lembra. Mais tarde, já no ocaso da vida que viveu ao acaso, Felipe Fontes recebeu do Presidente da República a Comenda do Olvídio, condecoração essa que figura no seu espólio agora patente na Feira Popular, no pavilhão dos espelhos distorcidos ou coisa que o valha.

Finalmente, numa noite chuvosa de Inverno, Felipe Fontes exalou o último suspiro, bolo que apreciava muito mas que nunca provou. Coisa de minhoto.Morreu como viveu, isto é, sem que ninguém desse por isso. Por este facto, o seu corpo nunca foi encontrado e há mesmo quem duvide da sua real existência. Eu não. A sua vastíssima obra inexistente é um marco na cultura e no fait-divers deste país, quiçá, um marco na longa caminhada do homem, talvez mesmo, e sem exagero, tão importante quanto a invenção da escrita ou o tetrapak.

Antes de terminar, não queria deixar de agradecer à associação de beneficiência "Os Amigos do Alzheimer" por me terem facultado o acesso a documentação valiosíssima sobre o malogrado Felipe Fontes, que ninguém se lembra onde se encontra (a documentação, porque o Felipe, esse...).

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