As Rochas - Capítulo II

Penedo era um homem de idade avançada. Cuidara de Penso, do pai e do avô deste. Agora as pernas tremiam-lhe, as mãos vacilavam, os olhos marejados de lágrimas. O seu menino estava a morrer. Seria possível que ele, seu fiel mordomo lhe sobrevivesse? E a menina Lavinha? Que iria ser dela? Quando ela tinha nascido, não fora ele que cuidara dela. Nessa época estava na moda mandar vir do Brasil uma náná especializada em tutoriar meninas ricas. Ele não se sentia tão próximo de Lava Xisto como dos seus ascendentes. A ideia de ficar a mordomizar a infanta incomodava-o, tornava-o inseguro. Era hora de se aproximar da pequena a fim de estabelecer laços mais fortes, antes que o doutor finasse.
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Brita Cascalho pousou o olhar no copo de vinho. Cheirava-lhe que havia um segredo na família dos Xistos, mas não conseguia descortinar qual.
- Pois é, meu amigo - disse ela, dirigindo-se ao seu fotógrafo, Arnaldo Rubi. -Temos de penetrar no seio dos Xistos -. Arnaldo, que era obviamente homossexual, ao ouvir o termo penetrar, empertigou-se na cadeira.
- Mas como? - perguntou.
- Podias tentar empregar-te na mansão como criado ou coisa parecida. Afinal, eles não te conhecem. Podias tentar saber algo através da criadage.
- Eu? Como? Bem sei que fico lindo de uniforme. Calça justinha na anca, casaco cintado... - Os seus olhos brilharam ao imaginar-se fardado, servindo os Xistos. A fotografia tinha começado como um hobby e agora via-se preso àquele pasquim. O seu sonho sempre fora ser criado.
- Mas acha que eles estão a precisar de alguém?
- Podemos sempre matar o jardineiro, ou o motorista...
- Credo, Brita!
- Estava a brincar. Vou tentar arranjar uma solução, não preocupes essa tua cabecinha.
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Adrianna Lapis-Lazuli saiu do carro e firmou bem os pés no chão. Estava de volta, após dez anos em que vagueara pelo mundo em busca de um objectivo para a sua vida. E foi ironicamente no local mais longínquo que alguma vez estivera que se apercebeu que o seu objectivo sempre estivera aqui, na sua terra natal. À medida que avançava em direcção à porta da mansão dos Xistos, o seu coração ia ficando apertado. Como a iriam receber? Lembrar-se-iam sequer dela? A força que a tinha impelido até ali fraquejou por momentos. Cerrou os punhos, mordeu os lábios, revirou os olhos, trincou a língua, estalou os dedos, coçou o queixo, escarrou para o chão e esfregou a sola do sapato no cuspo. Alguém lhe dissera que os pretos faziam isto em África, para dar sorte. Respirou profundamente, saltou ao pé coxinho e tocou à campainha. A porta abriu-se e a figura de Penedo apareceu-lhe, igualzinha ao que a sua memória retivera.
- Menina Adriana! - exclamou o mordomo.
- É Adrianna, seu maroto! - brincavam sempre os dois com o facto do velho nunca ter aprendido a dizer correctamente o seu nome. Ela suspeitava que ele tinha dificuldades com palavras com dois enes. - Olá, Penedo. Vejo que não te esqueceste de mim. Como vão as coisas?
- Vai tudo lindamente - mentiu. - Entre, entre. Vou anunciá-la.
- Deixa-me fazer uma surpresa. - adiantou-se ao velho serviçal e subiu a longa escadaria. Bateu à porta do quarto.
- Entre - replicaram lá de dentro. Abriu a porta e entrou.
- Adrianna!
- Lavinha!
As duas raparigas correram para os braços uma da outra. Adrianna olhou bem nos olhos da sua amiga de infância, entreabriu os lábios e beijou-a longamente na boca. O seu objectivo começara a ser cumprido.
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O Padre Basalto regressava da casa dos Xistos quando o telemóvel tocou. Era a madre superiora do Convento de Nossa Senhora da Rocha que lhe pedia que por lá passasse. A sua voz denotava pânico, terror, desgraça, quiçá medo.
- Madre Pérola, que se passa? - inquiriu o religioso ao entrar pelas altas e imponentes portas do convento. Este havia sido erigido no século XII, em memória de Nossa Senhora da Rocha, padroeira dos imbecis.
- Ai Padre Basalto, uma desgraça! Uma das meninas está grávida!
Ele engoliu em seco. Depois de se ter assumido viciado em sedimentos perante o seu amigo Penso, estavam prestes a descobrir que ele mantinha relações sexuais com todas as mulheres do convento, com excepção da Madre Pérola. Não era que ele não gostasse de mulheres mais velhas. Não. Já tinha dado grandes fodas com septuagenárias. É que ela era feia como o Caraças, um antigo colega seu do seminário. Sempre que olhava a madre superiora vinha-lhe à memória o rosto do Ardósia Caraças.
- Mas... grávida como?
- Grávida, grávida, padre! Prenha. De balão. Embaraçada.
- Mas como foi possível, visto ser eu o único homem a entrar por estas altas e imponentes portas? - Ao terminar estas palavras, o padre realizou o que tinha dito. Os olhos da madre superiora flamejaram, num misto de cólera, inveja, ciúme, ódio, ira e outros sentimentos tão queridos dos religiosos.
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O mordomo dos Xistos tomou uma decisão. Tinha que se tornar mais íntimo da menina Lava se ela ia passar a ser sua ama e senhora. Dirigiu-se ao quarto da rapariga e quando ia a bater à porta, deteve-se. Do interior vinham gemidos e ais. Estaria a menina a sentir-se mal? Preparou-se para levantar a voz e perguntar se estava tudo bem quando ouviu a filha do patrão exclamar "Não pares! Não pares!". Estranho... Mais de um século a servir havia-lhe ensinado que mais valem pequenas indiscrições, do que incomodar os senhores quando estes estão embrenhados em algo. Sabia perfeitamente que durante as reuniões que o Dr. Penso realizava no escritório, bastava-lhe olhar pela fechadura para saber se era altura de servir um lanche ou umas bebidas, sem ter que o incomodar, batendo à porta. Decidiu espreitar também desta vez.
A cena que se lhe deparou não o podia ter deixado mais confuso. As duas meninas, completamente nuas; a cabeça da menina Adriana enfiada entre as pernas de Lavinha e esta, contorcendo-se, gemendo. Que estavam a fazer? Ensaiariam alguma peça para a escola? Que devia ele fazer? Em consciência, decidiu tomar a atitude mais correcta. Ficou a olhar pelo buraco da fechadura o desenrolar dos acontecimentos.
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Penso Logo e Xisto tinha consulta marcada para as 15 horas e às 14 e 50 já estava no consultório. O seu médico. o Dr. Pedro Tumular, conhecia-o de longa data e Penso confiava nele como no seu velho mordomo.
- Pedro, diz-me. Há novidades?
- Olha, Penso. Vi algo nos últimos exames a que te submeteste que gostava de confirmar com novos testes. Sabes, nós, médicos da TV, gostamos muito de submeter os doentes a exames. "I would like to run some more tests", como dizem nas séries americanas. - De facto, o Dr. Tumular, além de médico, era actor. Mas só interpretava papéis de médico. Infelizmente não o fazia na televisão americana, por isso, empregava a conhecida técnica «run some more tests» nos seus próprios doentes.
- Mas do que suspeitas?
- Ainda não sei. Não te quero dar falsas esperanças, mas se se confirmar aquilo que penso, Penso, talvez signifique uma luz ao fundo do túnel.
Logo e Xisto, apesar da amizade que nutria pelo médico, exasperava quando este utilizava linguagem demasiado técnica.
- Luz ao fundo do túnel? Estás a falar de morte?
- Não, que ideia absurda! É melhor esperarmos pelo resultado dos novos exames. Estudaste a matéria? - E ambos riram a bom rir.
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Lava acendeu um cigarro e rolou-o nos longos dedos. Na sua cabeça, um turbilhão de sentimentos e no coração, uma amálgama de pensamentos. "Mas isto é magnífico!", pensou. Sempre ouvira dizer que quem experimenta a homossexualidade para sempre fica gay. Mas ela tinha a certeza de estar apaixonada por Quartzo Minguante. Se bem que o sexo com Adrianna fora uma coisa ímpar. Obsessiva! Que fazer? Tentar que Quartzo entrasse numa
«ménage a trois»? Seria possível? Ela bem sabia que os homens ficavam enojados por ver duas mulheres a beijarem-se, a roçar os mamilos hirtos e empinados uma na outra. Abanou a cabeça. Nunca iria resultar. Adrianna voltou-se na cama e acariciou-lhe o interior da coxas firmes, ainda húmidas.
À porta do quarto, Penedo esteva quedo que nem um arbusto durante uma tempestade tropical. Arfava ligeiramente e fios de espuma escorriam-lhe pelo canto da boca, dando a impressão a quem o visse naquele momento que se iria candidatar à presidência da república. Acabara de assistir a algo impensável para uma pessoa da sua idade. Ele, que tinha sido educado no mais estrito fervor religioso. Ele, que nunca tinha casado nem tido experiências sexuais. E agora, aos 134 anos, tivera a sua primeira vez. Platónica, é certo. Mas nada seria como dantes. Tinha acabado de se apaixonar pela sua futura ama e senhora.
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Depois da conversa que tivera com o irmão sobre as manas Calcário, Feldspato Abstracto ficou com vontade de as rever. Talvez as encontrasse na discoteca. Vestiu-se à malandreco e rumou às pedreiras, zona de diversão da cidade. O seu alvo era a discoteca Fio de Prumo, nome um pouco estranho, como todos os estabelecimentos do dono da noite, João Lama Barros. Em tempos trabalhara para ele, mas depressa descobriu que isso envolveria, mais cedo ou mais tarde, viver à margem da lei e isso ele não queria. Considerava-se um cidadão exemplar, embora não pagasse impostos, violasse frequentemente as regras de trânsito e fumasse tabaco.
Entrou no antro da noite e percorreu com o olhar todas as pessoas que ali se encontravam, o que o deixou exausto. Tinha que deixar de fumar.

6 comentários:

Anónimo disse...

Bravo!!!!
Ainda não li mas vou ler

Ego Mentis disse...

E então o teu belogue? Nunca mais arranca, Babinha?

Anónimo disse...

Tenho de me aconselhar com uns calhaus que andam para aí

Anónimo disse...

Fantástico! Adorei! Vivam as "Rochas com Hermesetas"!
Bjs

Trilby disse...

Só agora descobri este blogue. Espero que o dr. ghozé pablito não tenha desistido de escrever. O que li é espantosamente hilariante. Bem haja! :D

Zélia Couto e Santos disse...

Já li várias vezes e parto-me sempre a rir..